sábado, 14 de maio de 2011

ABUSOS SEXUAIS ENTRE PAIS E FILHOS





Os abusos sexuais entre pais e filhos são mais comuns do que imaginamos?

Sim, o que não temos é muita denúncia, pois é um assunto que gera vergonha e medo. Geralmente, quando a denúncia é feita, através dos órgãos competentes, a família desintegra-se, o que nem sempre é o melhor, no momento, para a criança. Sem dúvida é necessário proteger a criança dos abusos, mas precisamos conhecer o caso mais detidamente para que as medidas sejam mais apropriadas.



Então, qual é a medida mais adequada?

O melhor é que a família seja tratada, pois como afirmo no meu trabalho, esta é uma questão da dinâmica familiar a qual a criança se insere, não é só uma questão entre pai e filha. Nos casos em que tratamos em consultório particular, a situação modifica-se um pouco, já que o caso fica mais preservado, pois não há uma denúncia formal do abuso, ou por vezes, a paciente já é uma adulta e tem condições de se defender do abusador. Como vocês podem perceber, o assunto tem inúmeras implicações com relação a que atitudes éticas deverão ser tomadas frente à situação.



Você fala sobre uma "participação" velada da mãe no abuso sexual e na cumplicidade, explique um pouco como acontece.

Esta é uma questão muito delicada para se tratar, muito difícil de se aceitar, uma vez que a imagem de mãe vem sempre associada à proteção, cuidados e amor incondicional pelos filhos, pois trazemos em nossa bagagem cultural uma imagem materna idealizada. Quando por diversos fatores, as mães se omitem, "não percebem" a experiência, não acreditam no relato da criança, podemos supor uma cumplicidade geralmente inconsciente, ou não, com o pai. Isto porque a criança nos dá sinais de que algo errado anda ocorrendo com ela, como por exemplo, mudança repentina de comportamento, retraimento excessivo, agressividade exacerbada, manifestação exagerada da sexualidade, etc. A mãe geralmente é a pessoa mais próxima da criança e "deveria" estar atenta a sinais desse tipo, mas, muitas vezes, por processos inconscientes, determinados pela própria história de vida, negam as evidências. Isto não quer dizer que devemos crucificar a mãe, mas sim tentar compreender a dinâmica familiar como um todo, pois para que o abuso se efetive é necessário que exista também um pai com uma determinada dinâmica psíquica que o leve a ocupar o lugar de abusador. Muitas vezes, os pais também trazem em sua história, ocorrências de abuso sexual, portanto, devemos compreendê-los , o que não significa compactuar ou aceitar o abuso, mas sim tratá-los dentro dessa dinâmica tão complicada e delicada.



Não acreditar na denúncia da criança é uma forma de violência também?

Os pais são aqueles que devem proteger e amparar a criança em tais situações. Imaginem o desamparo da criança, ao se deparar com pais que ao invés de protegê-la de situações violentas e traumáticas, são os próprios causadores de tais experiências. Para que uma mãe não perceba o que ocorre entre pai e filha, ela precisa manter uma certa distância da criança, pois tal fato, gera alterações no comportamento. Para a mãe, dentre inúmeros fatores, fica complicado aceitar que sua filha passe por essa experiência pois envolve uma série de processos inconscientes, inclusive o de pensar na escolha que fez com relação a seu companheiro e a culpa por "ter exposto" a criança a tal situação; requer também repensar na sua relação com o companheiro.

Que prejuízos você tem observado nas pessoas que sofreram abusos sexuais?

Sem dúvida, experiências desse tipo provocam seqüelas no desenvolvimento da personalidade, porém, devemos levar em conta uma série de fatores para afirmarmos o tipo de conseqüência psíquica que provocam. Por exemplo: com que idade a criança sofreu o abuso, por quanto tempo, qual a atitude da mãe frente a isso, etc.

Aqueles que sofreram abusos na infância, serão adolescentes mais problemáticos, terão problemas na aprendizagem?

A adolescência por si só é um momento de crise, de retomada dos conflitos infantis. Situações conflitivas e traumáticas vividas pela criança, que não foram elaboradas ou superadas por ela, serão retomadas na adolescência e poderão tornar-se um período mais conflitante ainda. Porém, também poderemos nos deparar com um adolescente passivo, obediente e submisso, o que não é um bom sinal na adolescência.

Com relação à aprendizagem, também poderemos encontrar variações, não há uma sintomatologia específica que nos confirme a vivência de tal experiência, pois tanto a criança pode apresentar grandes dificuldades na aprendizagem, como pode canalizar toda a sua energia para ela. A confirmação de tais experiências pode ser feita através de técnicas projetivas, realizadas por um profissional qualificado.

Em sua experiência, que comprometimentos foram notados no cognitivo da criança abusada sexualmente?

Cito dois casos, em um deles, a paciente apresentava um desempenho intelectual acima da média, já no outro caso havia uma grande dificuldade em prosseguir seus estudos, a partir da experiência com o pai, pois apresentava grande dificuldade de concentração, era alguém que não podia "pensar" de uma maneira geral.



Como a sociedade contribui para os desvios de comportamento das famílias?

A sociedade é aquela que determina os padrões de comportamento e seus desvios. As regras e leis vão se modificando com o passar do tempo, porém a falta de limites e regras claras, dificultam a própria convivência social e acabam por deixar seus membros desorientados quanto a que padrões deve-se seguir ou mesmo, contestar. O núcleo familiar que não tem clara suas regras de comportamento acaba por confundir a criança e atrapalhar o bom desenvolvimento psíquico e social.

A criança, assim como os adolescentes, precisam de leis até para poder transgredi-las, desde que saiba que sua atitude é de contestação.

O nível sócio-econômico é determinante para os abusos sexuais entre pais e filhos?

Não, o que ocorre é que nas camadas sociais mais baixas, o caso vai parar nos órgãos públicos através de denúncias formais, nas camadas mais altas da população, os casos acabam em consultórios particulares onde o sigilo é garantido.

Qual o significado das musas sexuais dos nossos tempos?

Atualmente, encontramos um apelo muito grande com relação à sexualidade, os próprios pais incentivam as crianças a imitarem essas musas sexuais sem se darem conta da mensagem que passam aos filhos. Como muito bem nos coloca a psicopedagoga Maria Alice Leite Pinto, em seu artigo "Sexualismo precoce toma o lugar da aprendizagem" existe um "intenso apelo sexual dirigido ao público infantil, por interesses empresariais da tv, das indústrias de cosméticos, do vestuário, etc" . Ela ainda afirma que pais desinformados ou deformados acabam por se tornar coniventes com as aberrações, motivados por fatores narcísicos. Penso que, a mídia se utiliza desse apelo por atingir as camadas mais inconscientes do homem e por ser a sexualidade, a força propulsora da humanidade, mas acabam por muitas vezes, transmitirem a mensagem de uma sexualidade deturpada, sem limites claros.

Os limites estão confusos para as famílias atuais, que comportamentos desviados dos padrões "normais" notamos hoje em nossa sociedade?

A nossa sociedade encontra-se num momento de grandes transformações. Os pais não sabem muito bem o papel que ocupam na criação dos filhos, não querem repetir os erros de seus pais, mas também não sabem como ser diferentes; muitas vezes querem ocupar o lugar de amigos e acabam , sem se darem conta, deixando seus filhos desamparados, "órfãos". Sem dúvida é importante que os pais estabeleçam uma relação saudável com os filhos, que possam ouvi-los, compreendê-los, sem contudo saírem do lugar de pais. Não devemos confundir compreensão com liberalidade, nem autoridade com autoritarismo.



O que poderá ocorrer a uma criança que ainda não tem seus códigos éticos formados se não for ajudada?

Uma experiência dessa é sempre traumática, porém acredito que quanto mais precoce for a experiência, maior os efeitos danosos em sua formação. Uma experiência de abuso sexual, carrega consigo uma confusão nos papéis ocupados por cada elemento da família, uma falta de discriminação, de limites, e uma relação de poder e submissão - uma criança submetida a um adulto perverso, com falta ou dificuldade na relação com os limites. Portanto, teremos crianças com dificuldade de se relacionar com a própria sexualidade, com os limites impostos pela sociedade e na discriminação de si e do outro. Conseqüentemente, podemos pensar que esses são elementos importantes para a convivência social e para a aprendizagem de uma maneira geral.

Qual deverá ser o procedimento dos profissionais (professores, psicopedagogos, etc.) que lidam com esta criança ao tomarem conhecimento que está havendo abuso sexual? Existem instituições assistenciais? Que tipo de serviços oferecem?

Existem algumas instituições que amparam e orientam essas famílias, assim como aceitam denúncias. Porém, os profissionais precisam tomar muito cuidado e ter muita certeza dos fatos para chegar a uma denúncia formal. Muitas vezes, o mais indicado é que eles possam encaminhar a criança ou a família para outros profissionais qualificados para o tratamento. O encaminhamento para um tratamento psicológico é o mais indicado, pois como coloquei, esta não é só uma questão de desinformação ou maldade dos pais, mas sim , determinada por processos inconscientes e portanto, difícil de ser conduzida.



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